Lipedema: descubra o que é a doença e como tratá-la

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É sabido por todos que seguem a Revista Segura que há algum tempo estamos (eu e a Ariane) tentando emagrecer e, que junto com isso, estamos cuidando mais da saúde e descobrindo algumas doenças que acometem, principalmente, as mulheres. Resolvi pedir para a minha nutricionista me explicar mais sobre o lipedema. Eu achava que estava com a doença, mas ela descartou, já que apertava minha perna e via buracos (confundi com celulite). Mesmo assim, descobri que várias mulheres sofrem com o problema, então revolvi saber um pouco mais. A minha nutricionista se chama Sheila Sanches. Ela é doutora em Nutrição Clínica, pós doutora em Patologia Nutricional, especialista em Obesidade e Emagrecimento e Nutrição Esportiva, pela FMRP-USP. Deu aula por alguns anos no curso de nutrição da USP, foi pesquisadora da instituição e, agora, está clinicando em Ribeirão Preto.

O lipedema é uma doença vascular crônica e progressiva caracterizada pela deposição anormal de gorduras nas pernas e algumas vezes nos braços, ocasionando aumento desproporcional dos membros afetados, além de poder ocorrer comprometimento circulatório e fortes dores na região afetada. “Pessoas com lipedema normalmente podem apresentar silhueta do tronco mais afinada, porém com aumento de gordura abaixo da cintura, mas sem atingir os pés. É diferente do linfedema, condição que aumenta a circunferência da perna por acúmulo de líquidos e compromete todo o membro – na maioria das vezes de forma unilateral – incluindo o pé. Outra característica do lipedema é a distribuição da gordura, que tende a formar nodulações gordurosas no tecido subcutâneo, ocasionado por um envolvimento pró-inflamatório bastante intenso o que o diferencia da obesidade”, explica a nutricionista.

De acordo com Sheila, o lipedema é classificado em cinco tipos, de acordo com as áreas dos membros que estão afetadas. Essa é a classificação anatômica:

  • Tipo I: acometimento do umbigo até os quadris;
  • Tipo II: acometimento até os joelhos com presença de tecido gorduroso na parte lateral e inferior dos joelhos;
  • Tipo III: acometimento até os tornozelos com formação de “manguito” de gordura logo acima dos pés;
  • Tipo IV: acometimento dos braços. Bastante associado aos tipos II e III;
  • Tipo V: apenas do joelho para baixo.

 

Embora descrito há mais de 80 anos, além de dados indicarem que possa acometer cerca de 10% das mulheres em todo o mundo, o lipedema foi reconhecido como doença somente em 2023 . “Desde então, inúmeras pesquisas vêm sendo realizadas para melhor abordagem da doença, no entanto, muitas informações ainda se encontram desencontradas, por isso, para um melhor esclarecimento sobre esta doença, é importante que estas informações sejam pautadas em evidencias científicas e em associação a observações pratico-clínica” explica.

O lipedema atinge quase que exclusivamente mulheres e têm inicio em situações onde ocorrem fortes alterações hormonais, como na puberdade e adolescência, após as gestações e durante as fases de climatério e menopausa. Estes indícios apontam que o componente hormonal, além de fatores genéticos, possa participar da fisiopatologia da doença, embora todos os mecanismos envolvidos no desenvolvimento do lipedema ainda precisam de mais investigações.

Quando não tratado adequadamente, a progressão da doença ocorre em cinco diferentes estágios, também relacionados à gravidade da doença:

  • Estágio 1: a superfície da pele é normal, ocorre aumento da gordura no tecido subcutâneo e há presença de nódulos ou bolinhas de gordura, como se fossem pérolas por baixo da pele.
  • Estágio 2: a pele é irregular, um pouco mais flácida do que o esperado para a idade e com aspecto de celulite, e os nódulos que podemos palpar ficam maiores.
  • Estágio 3: a pele é significativamente mais flácida, com a presença de dobras de pele. Isso pode causar dificuldade para caminhar e se movimentar. Além dos nódulos, podemos palpar também áreas de fibrose, que são como cicatrizes por baixo da pele causadas pela inflamação crônica.
  • Estágio 4: todas as alterações descritas no estágio 3, mais o comprometimento do sistema linfático. O linfedema (comprometimento dos vasos linfáticos) pode ocorrer em qualquer estágio, mas é mais frequentemente encontrado em mulheres com lipedema a partir do estágio 3, quando é chamado de lipo-linfedema, ou no estágio 4.

Sintomas

“Os sintomas do lipedema podem incluir desconforto, cansaço, hematomas frequentes, edemas, que são os inchaços, e dor nas pernas e outras regiões afetadas. No entanto, a queixa principal é, sem dúvida, o desconforto estético, que impede que a paciente use roupas que mostrem suas pernas. Além disso, pessoas com lipedema são mais suscetíveis a lesões das articulações. Em casos mais avançados, podem ter dificuldades na marcha e consequente atrofia muscular. É muito importante se considerar também os transtornos psicológicos causados pela doença, devido ao prejuízo da autoimagem e baixa estima das mulheres acometidas pela doença, onde algumas pesquisas recentes sugerem que as alterações psicológicas possam também preceder o evento inicial, além de levar ao aumento de peso que, por sua vez, piora o lipedema”, esclarece Sanches.

O diagnóstico do lipedema é predominantemente clínico, baseado nas características físicas da paciente, e em seu histórico de acompanhamento nutricional (quando houver), mas o exame de ultrassom pode ajudar a dimensionar a extensão do problema.

O tratamento do lipedema é multidisciplinar, envolvendo médicos, nutricionistas, fisioterapeutas, educadores físicos e, até mesmo, psicólogos e terapeutas.

  • Endocrinologista: monitora e trata os níveis hormonais da paciente;
  • Cirurgião vascular: avalia a associação com insuficiência venosa crônica e linfedema, além de poder orientar melhor sobre a terapia de compressão elástica e terapia física complexa;
  • Cirurgião plástico: capaz de desempenhar o tratamento cirúrgico que consiste em lipoaspiração (mas é diferente das lipos convencionais, então não é todo cirurgião plástico que faz);
  • Nutricionista: a alimentação é outro pilar no tratamento, por isso o acompanhamento com nutricionista é fundamental, não só de modo a reduzir calorias e visando a perda de peso, mas principalmente evitando alimentos que provocam inflamação e utilizando planos alimentares que diminuam os picos glicêmicos, evitando assim, acúmulos de gordura subcutânea. Importante ressaltar a necessidade do nutricionista ser especialista no tratamento do lipedema, uma vez que esta doença possui caracterizas e desenvolvimento diferenciados;
  • Fisioterapeuta especializado: é importante se aplicar uma terapia física complexa, também utilizada no tratamento de linfedema, com drenagem linfática, cuidados com a pele, exercícios físicos e uso de bandagens;
  • Educador físico: o exercício físico também auxilia no controle de peso, além de ajudar no fortalecimento muscular e ligamentar, proporcionando melhor qualidade de vida e menos chance de lesões osteoarticulares;
  • Psicólogos: pacientes com lipedema sofrem com problemas físicos impostos pela dificuldade de mobilidade e dor, mas também tem o lado psicossocial afetado pela dificuldade no diagnóstico e pela forma como a paciente se enxerga, portanto, o acompanhamento psicológico com psicoterapia é fundamental.

Por esta ser uma doença diferenciada, é fundamental que os profissionais envolvidos sejam especialistas no tratamento do lipedema, para melhor consistência dos resultados. Importante ressaltar que os planos de saúde são obrigados a cobrir o tratamento do lipedema, pois a doença está prevista no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nutrição X Lipedema

O nutricionista pode atuar em duas frentes durante o acompanhamento nutricional do paciente com lipedema. A primeira delas consiste no diagnóstico auxiliar, observando os sinais clínicos característicos do lipedema, como a silhueta do corpo desproporcional ao tamanho dos membros acometidos, presença de nodulações subcutâneas e histórico nutricional do paciente. “Ao observar o histórico nutricional do paciente, é importante estar atento ao fato de que o mesmo demonstra bastante comprometimento com as dietas convencionais, tem a prática de exercícios físicos regulares e consegue perder gordura em todas as partes do corpo, exceto em algumas partes específicas, sendo estas as partes acometidas pelo provável lipedema”, diz a especialista. De acordo com a doutora, é necessário ressaltar que o diagnóstico deve ser feito por um médico, mas o nutricionista especializado possui competência para fazer um encaminhamento com justificativas para melhor investigação do possível diagnóstico.

A segunda frente de atuação do lipedema consiste no tratamento do paciente, uma vez que a alimentação é um dos pilares para o tratamento do lipedema. Os principais fatores a serem abordados durante o acompanhamento nutricional são a perda e controle de peso, com foco na diminuição de acúmulos de gordura, principalmente nas regiões acometidas pelo lipedema, bem como o controle da inflamação, uma vez que a resposta inflamatória crônica é a desencadeadora da formação de nodulações de gordura e progressão da doença. Em adição, o acompanhamento nutricional também pode favorecer o equilíbrio hormonal natural da paciente, uma vez que pesquisas indicam que fatores hormonais possam estar envolvidos com a fisiopatologia da doença, e alimentos específicos também podem desempenhar a função de reguladores naturais de hormônios.

“Para a diminuição e controle do peso são utilizadas estratégias que façam um controle calórico dos alimentos ingeridos pela paciente. No entanto, para o tratamento do paciente com lipedema, somente estas estratégias não funcionam e é exatamente por isso que estas pacientes trazem consigo uma enorme frustração, uma vez que muitas delas já tentaram diversas vezes perder peso para melhorar sua aparência, mas sem um acompanhamento nutricional específico para lipedema, não obtiveram resultados na perda de medida nas áreas acometidas.  Esta situação ocorre, pois, o plano alimentar para tratamento do lipedema precisa estar voltado não somente ao quanto se come, mas também ao que se come, ou seja, à qualidade dos alimentos, bem como para a maneira que estes alimentos são consumidos, ou seja, as combinações entre os mesmos”, explica Sanches.

A dieta

“Entre as dietas adotadas em meu consultório, via de regra eu utilizo o princípio da dieta isoglicêmica, ou seja, um plano alimentar em que se evita ao máximo os picos glicêmicos e de insulina, para se evitar o acúmulo de gordura e a formação de nodulações. Desta forma, a maioria das refeições é composta por carboidratos de baixo índice glicêmico, como grãos, frutas, legumes e verduras “low carb”, acompanhados por outra fonte de macronutriente, como proteínas, que lentificam o processo de digestão, evitando picos de glicose. Os lipídios também podem fazer este processo, porém, para o lipedema, também é importante controlar a ingestão de gorduras”, ressalta a nutricionista.

Além disso, ela também inclui no plano alimentar uma série de alimentos com função antioxidante e anti-inflamatória, priorizando a desinflamação e detoxificação deste paciente, além de prevenir contra a formação de nodulações adjacentes. “Para esta função alimentos como frutas e legumes de baixo índice glicêmico são importantíssimos, trazendo destaque entre as verduras do tipo brássicas, que possuem função detoxificadora, eliminando a gordura tóxica do organismo. Na maioria das vezes, para o tratamento do lipedema, este processo é potencializado pela ação de suplementos anti-inflamatórios como ômega-3 (maior proporção de EPA) e curcumina, pela suplementação com cactínea, que detoxifica e elimina a retenção de líquidos, diminuindo também o edema e também pela suplementação com o dimpless, que possui ação antioxidante, além de melhorar o aspecto nodular da pele. Como pratico uma abordagem integrativa, o consumo de chás também é muito bem-vindo, incluindo os hábitos da ingestão de chás de gengibre, hortelã, cavalinha, chá verde, hibisco e de casca de jabuticaba na rotina destes pacientes”, ensina.

Sheila Sanches, doutora em Nutrição Clínica, pós doutora em Patologia Nutricional, especialista em Obesidade e Emagrecimento e Nutrição Esportiva, pela FMRP-USP

Além desta base isoglicêmica e anti-inflamatória, em algumas situações, a nutricionista utiliza estratégias para proporcionar um choque metabólico nestas pacientes, ou seja, dietas mais restritivas com períodos pré-determinados, para fazer com que os organismos destas pacientes criem respostas alternativas, evitando os platôs, ou seja, fase em que os planos alimentares se tornem menos responsivos, ou também para iniciar o tratamento de forma mais drástica, dependendo do estágio evolutivo e da  progressão da doença. Entre estas estratégias se destacam a dieta cetôgenica, que consiste em um corte drástico no consumo de carboidratos com o aumento do oferecimento de proteínas, ou a dieta mediterrânea modificada, em que por duas a três vezes por semana, o consumo de carboidratos fica restrito a somente 25g após o meio-dia, objetivando a queima de gorduras acumuladas como fonte de energia, facilitando a queima das mesmas, ocasionando diminuindo também na diminuição das nodulações.

“Embora demonstrem bastante efetividade em estudos com casos isolados, na prática clinica eu não gosto de utilizar estas dietas como protocolo fixo, uma vez que ocorre uma restrição muito severa de nutrientes, prejudicando a adesão de muitos pacientes, e também devido à restrição de muitos alimentos anti-inflamatórios e antioxidantes, podendo prejudicar a saúde destes pacientes quando aplicadas por longos períodos de tempo. Assim, o período de choques metabólicos é individual e dependente da resposta e perfil do paciente. Se o paciente não suporta, é fundamental que suas necessidades sejam respeitadas e que se encontre um plano alimentar em que o mesmo se enquadre e se adapte, priorizando sua qualidade de vida e a prática de bons hábitos alimentares”, conclui.

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